#silentimages Uma Promessa do Invisível
- Angela Rosana

- 28 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 1 de set.
Esse foi para mim um encontro nada fortuito. As fotografias de Souhayl A chegaram até mim como quem interrompe o fluxo comum da visão: sugeriam muito mais do que mostravam. Mais do que imagens, eram sopros que se recusavam a caber em limites. No mesmo período, mergulhava na leitura de Traços de Música, livro que me foi dado (e escrito) por minha professora Fátima Pombo no mestrado. Foi nesse cruzamento, entre imagens e páginas, que nasceu este texto, não para explicá-las, mas porque nelas reconheci a mesma vertigem de que falava John Keats e que ressoa em Fátima. A força do que não se cumpre, mas insiste em vibrar: "Heard melodies are sweet but those unheard are sweeter."
Há experiências que não se esgotam no que revelam, mas no espaço do que está velado. É nesse vão entre a presença e a ausência que a arte encontra sua força: aquilo que não se ouve, não se vê, não se toca, mas que ainda assim vibra. Keats, ao escrever na Ode on a Grecian Urn intuía que o silêncio pode carregar mais intensidade do que o som. Em Traços de Música, Fátima Pombo parece tocar essa mesma corda sensível ao pensar a música como presença que nasce da abstração, como se fosse possível dar corpo ao invisível e ao indizível.
A fotografia se inscreve nesse mesmo território. Não é o flagrante cristalizado que a sustenta, mas o murmúrio que foge ao enquadramento. O olhar se prende menos à nitidez do que à vibração que se insinua entre ausência e desejo, como se cada imagem guardasse uma melodia subterrânea, mais doce justamente porque nunca chega a ser ouvida por inteiro. Sua potência está no silêncio que prolonga a experiência, reverbera no pensamento e se instala como uma pergunta que não encontra resposta.
Multiplicar, mais do que fixar, é o ato poderoso da fotografia. Quando um rosto aparece encoberto ou duplicado, não é a ausência de expressão que nos inquieta, mas o excesso de possibilidades. O que está diante de nós já não é apenas uma figura, mas uma pergunta sobre o que significa ver alguém. O duplo não mostra duas vezes o mesmo, mas revela a impossibilidade de sermos apenas um. A máscara não apenas encobre: lembra que toda imagem já nasce como disfarce.

É nesse ponto que a fotografia se aproxima daquilo que Umberto Eco chamou de ambiguidade produtiva: uma abertura que nos obriga a decifrar sem nunca concluir. A obra se torna "aberta" justamente porque não nos entrega o que esperamos. A nitidez que prometia tranquilidade cede lugar a uma fissura que nos mantém em vigília. Cada sombra, cada borrão, cada gesto interrompido prolonga o tempo da imagem para além do instante do disparo.
Até mesmo quando a cena parece simples, o que se impõe não é a clareza do instante, mas a reverberação que ele deixa. A fotografia não é captura do momento: é a abertura de uma continuidade que persiste no pensamento, como vibração de uma melodia quando o som já cessou.
Quem sabe seja essa a verdadeira doçura da imagem: não a evidência do que mostra, mas a intensidade do que fica sem se consumar. Se a música, para Keats, era mais doce quando não soava, a fotografia parece compartilhar dessa mesma condição. Não se consome no visível. Permanece como promessa, e é desse inacabamento que retira sua beleza inquieta.
Escrito por Angela Rosana, saiba mais sobre mim aqui.
Todas as fotografias deste artigo são de autoria de Souhayl A que gentilmente as cedeu para publicação. Convido você a conhecer mais do seu trabalho aqui.
Se você gostou desse artigo, deixe sua avaliação ao final da página!
Leia outros artigos aqui
Visite nosso Instagram
Publicação no Instagram em agosto de 2025











Comentários