top of page

#silentimages Uma Promessa do Invisível

Atualizado: 1 de set.


Esse foi para mim um encontro nada fortuito. As fotografias de Souhayl A chegaram até mim como quem interrompe o fluxo comum da visão: sugeriam muito mais do que mostravam. Mais do que imagens, eram sopros que se recusavam a caber em limites. No mesmo período, mergulhava na leitura de Traços de Música, livro que me foi dado (e escrito) por minha professora Fátima Pombo no mestrado. Foi nesse cruzamento, entre imagens e páginas, que nasceu este texto, não para explicá-las, mas porque nelas reconheci a mesma vertigem de que falava John Keats e que ressoa em Fátima. A força do que não se cumpre, mas insiste em vibrar: "Heard melodies are sweet but those unheard are sweeter."



Fotografia em preto e branco de um túnel estreito e escuro, com paredes de pedra e teto curvo. Ao fundo, na pequena abertura iluminada da saída, vê-se a silhueta de uma pessoa em pé, recortada contra a luz, criando um contraste dramático entre sombra e claridade


Há experiências que não se esgotam no que revelam, mas no espaço do que está velado. É nesse vão entre a presença e a ausência que a arte encontra sua força: aquilo que não se ouve, não se vê, não se toca, mas que ainda assim vibra. Keats, ao escrever na Ode on a Grecian Urn  intuía que o silêncio pode carregar mais intensidade do que o som. Em Traços de Música, Fátima Pombo parece tocar essa mesma corda sensível ao pensar a música como presença que nasce da abstração, como se fosse possível dar corpo ao invisível e ao indizível.



Black and white mirrored photograph of a silhouetted female figure with loose hair, arms raised and bent behind the head. The duplication creates a symmetrical composition, with both figures facing forward in shadow, accentuating curves and contrasts against a bright background


A fotografia se inscreve nesse mesmo território. Não é o flagrante cristalizado que a sustenta, mas o murmúrio que foge ao enquadramento. O olhar se prende menos à nitidez do que à vibração que se insinua entre ausência e desejo, como se cada imagem guardasse uma melodia subterrânea, mais doce justamente porque nunca chega a ser ouvida por inteiro. Sua potência está no silêncio que prolonga a experiência, reverbera no pensamento e se instala como uma pergunta que não encontra resposta.



Black and white photograph of a blurred figure wearing a horned animal mask and a leather jacket. The figure holds a large sheet of paper or canvas, partially obscured and motion-blurred, set against a dark background with a rough white border framing the image


Multiplicar, mais do que fixar, é o ato poderoso da fotografia. Quando um rosto aparece encoberto ou duplicado, não é a ausência de expressão que nos inquieta, mas o excesso de possibilidades. O que está diante de nós já não é apenas uma figura, mas uma pergunta sobre o que significa ver alguém. O duplo não mostra duas vezes o mesmo, mas revela a impossibilidade de sermos apenas um. A máscara não apenas encobre: lembra que toda imagem já nasce como disfarce.



Black and white photograph of two women in close embrace, partially nude, their bodies blurred in motion. One woman faces the viewer with a tilted head and closed eyes, while the other leans in closely, her hand pressed against the wall. The blurred contours and high contrast create a dreamlike, sensual atmosphere framed by rough black borders


É nesse ponto que a fotografia se aproxima daquilo que Umberto Eco chamou de ambiguidade produtiva: uma abertura que nos obriga a decifrar sem nunca concluir. A obra se torna "aberta" justamente porque não nos entrega o que esperamos. A nitidez que prometia tranquilidade cede lugar a uma fissura que nos mantém em vigília. Cada sombra, cada borrão, cada gesto interrompido prolonga o tempo da imagem para além do instante do disparo.



Black and white photograph of a woman wearing dark glasses and a sheer polka-dot blouse, holding a broken umbrella over her shoulder. Her expression appears somber and introspective, while the blurred background adds to the moody and dramatic atmosphere


Até mesmo quando a cena parece simples, o que se impõe não é a clareza do instante, mas a reverberação que ele deixa. A fotografia não é captura do momento: é a abertura de uma continuidade que persiste no pensamento, como vibração de uma melodia quando o som já cessou.

Quem sabe seja essa a verdadeira doçura da imagem: não a evidência do que mostra, mas a intensidade do que fica sem se consumar. Se a música, para Keats, era mais doce quando não soava, a fotografia parece compartilhar dessa mesma condição. Não se consome no visível. Permanece como promessa, e é desse inacabamento que retira sua beleza inquieta.



Black and white photograph of an elderly man scattering food for a large flock of pigeons in an urban square. He holds a plastic bag in one hand while throwing seeds with the other, surrounded by birds in flight and on the ground, creating a dynamic scene filled with motion and energy


Escrito por Angela Rosana,  saiba mais sobre mim aqui.    


Todas as fotografias deste artigo são de autoria de Souhayl A que gentilmente as cedeu para publicação. Convido você a conhecer mais do seu trabalho aqui.


Se você gostou desse artigo, deixe sua avaliação ao final da página!


Leia outros artigos aqui

Visite nosso Instagram


Publicação no Instagram em agosto de 2025

 
 
 

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação

Nota:

As imagens que acompanham os artigos são cedidas pelos autores.

O Projeto não se orienta por critérios técnicos exclusivos: em alguns casos, a escolha privilegia aspectos formais e técnicos; em outros, a potência poética, conceitual ou experimental da obra. A responsabilidade pela autoria e pela natureza do processo criativo cabe sempre ao artista.

Ao blog interessa sobretudo a forma como essas imagens instigam reflexão no leitor.

Note:

The images featured in the articles are provided by their authors.

The project is not guided solely by technical criteria: in some cases, the choice highlights formal and technical aspects; in others, the poetic, conceptual, or experimental strength of the work. esponsibility for authorship and the creative process always lies with the artist.

What matters most to the blog is the way these images spark reflection in the reader.

Viva o Clique logo – contemporary photography and art magazine with minimalist typography and red Q accent

A gaze that expands

SUBMIT SEM FUNDO.png

Viva o Clique Magazine is an independent project created and curated by Angela Rosana.
Each edition reflects her vision of art as encounter, between image, word,
and the invisible space that connects them.

All images published by Viva o Clique are generously contributed by their respective authors and are credited accordingly.
The authors retain full ownership and bear sole responsibility for the origin, authorship, and creative process of their work

2025 Viva o Clique Magazine

bottom of page